Você sabe o que é a desmonumentalização?

No texto a seguir, discutiremos a conexão entre o monumento de Borba Gato em chamas e a imagem do povo chileno montado em um general Baquedano desfigurado, marcado pelas bandeiras do Chile e dos mapuche.

Você sabe o que é a desmonumentalização?
Você sabe o que é a desmonumentalização?

Segundo o historiador francês Jacques Le Goff, todo monumento é um documento. E como documento histórico, reflete determinadas visões de mundo, de determinados agentes sociais e políticos. Diante disso, você já parou para pensar que os monumentos históricos dispostos em praça pública refletem determinadas trajetórias políticas e sociais, ressaltam determinados aspectos do passado e excluem e apagam outros? Há algum tempo os movimentos sociais compreendem isso muito bem e desde então incorporaram a reconfiguração das monumentalidades no seu repertório de ação política.

No texto a seguir, discutiremos a conexão entre o monumento de Borba Gato em chamas e a imagem do povo chileno montado em um general Baquedano desfigurado, marcado pelas bandeiras do Chile e dos mapuche.

Na história da América Latina, o século XIX figura enquanto marco temporal fundamental na gestação do ideário de Nação das diversas repúblicas formadas com os movimentos de independência do mesmo período, incluindo aí o Império do Brasil. A formação de um novo ente estatal demandava, no entanto, a fabricação de determinados símbolos e narrativas que pudessem aglutinar a diversidade de povos e agentes sociais num mesmo emblema chamado Nação. A partir de várias operações culturais, políticas e discursivas reelaboradas continuamente na história, a concepção de mundo, as normas e os interesses de determinados grupos dominantes vão se tornando, de forma estável e incrivelmente eficaz, os “interesses da nação”. Envolvendo a colaboração de instituições culturais como a escola, determinados heróis e trajetórias sociais são eleitos em detrimento de outros; as figuras notáveis dos setores dominantes passam a se tornar então os heróis de toda a comunidade política.

A essa altura você deve estar se perguntando: o que o conceito de Nação tem a ver com o monumento e, por sua vez, com a desmonumentalização? Eu respondo a vocês, tudo! Acontece que os monumentos nada mais são do que sedimentação histórica desse imaginário que compõe a nação, com os seus heróis, símbolos e acontecimentos fundamentais. Aliás, os monumentos são um desses símbolos que possuem a função pública de nos relembrar o porquê e por conta de quem estamos aqui.

Muitos desses heróis fabricados, contudo, protagonizaram ações violentas de dizimação física dos povos indígenas e negros escravizados que, apesar de silenciados e apagados numa concepção homogênea e saneada de nação, participam e participaram da experiência histórica policromada e necessariamente diversa que nos levou até aqui e constituiu nossas identidades. A desmonumentalização é então a manifestação política descontente com a construção de um relato nacional que se valeu do apagamento da violência e do protagonismo desses agentes históricos corriqueiramente silenciados da narrativa nacional.

Entendidos esses termos, como isso pode ser cobrado no seu vestibular?

De várias formas, desde o entendimento dos vários processos culturais e políticos que envolvem a constituição da nação, até os conceitos de patrimônio cultural e memória, como também a participação de atores diversos na constituição da identidade nacional.

Veja por exemplo essa questão da UERJ:

UERJ (2017)

(fonte:https://www.vestibular.uerj.br/?page_id=7069)

"Os monumentos históricos promovem o destaque de acontecimentos, personagens, feitos e valores a serem reverenciados por uma sociedade. Exemplos desses monumentos são as estátuas de João Cândido, líder da Revolta da Chibata no início do século XX, e do Barão de Mauá, empresário e empreendedor no século XIX.

As estátuas desses personagens indicam, respectivamente, o enaltecimento das seguintes ideias:

(A) revisão das hierarquias militares – progresso financeiro

(B) defesa dos direitos trabalhistas – dinamização comercial

(C) redimensionamento do preconceito racial – integração nacional

(D) diversidade das contribuições étnicas – modernização econômica"

A questão mobiliza os conceitos de patrimônio e memória ao requerer que os candidatos identifiquem as ideias valorizadas pelos monumentos ao ressaltarem determinadas figuras do passado. A questão, portanto, propõe refletir sobre os usos do passado no presente, mediados pela memória histórica.  A inauguração da estátua de João Cândido, liderança da Revolta da Chibata - movimento que reivindicou, entre outras pautas, o fim dos castigos físicos no código de punições da Marinha-, no Dia da Consciência Negra, em 2008, significou a valorização das contribuições de tais grupos étnicos na conquista de direitos na sociedade brasileira. Já a estátua de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, empreendedor do século XIX, associado às ideias de progresso material e modernização econômica, mobiliza a valorização desses mesmos ideários na conjuntura das reformas urbanas da área portuária do Rio de Janeiro, ocorridas no início do século XX, quando também a Praça Mauá e o monumento à Mauá foram inaugurados.

Referências bibliográficas:

ALVARADO LINCOPI, Claudio. Uma razón antropofágica para una constituyente plurinacional. Dela nación blanqueada a la comunidade política abigarrada. In: NAMUNCURA, D; ALVARADO LINCOPI, C; ANTILEO, E; MILLABUR, A et al.  Wallmapu ensayos sobre plurinacionalidad y nueva constitución. Santiago: CIIR e Pehuén Editores, 2020.

MERCIER, Daniela. Estátua de Borba Gato, símbolo da escravidão em São Paulo, é incendiada por ativistas. El País, 24 de jun. de 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-24/estatua-do-borba-gato-simbolo-da-escravidao-em-sao-paulo-e-incendiada-por-ativistas.html  . Acesso em: 10 de maio de 2024.

 

TADDEO, Luciana. Como a estátua de general Baquedano virou foco das manifestações no Chile? Tab Uol, 06 de março de 2021. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2021/04/06/removida-sob-protestos-estatua-de-general-baquedano-e-controversa-no-chile.htm . Acesso em: 10 de maio de 2024.

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